É difícil querer estudar
no modelo atual de educação, é difícil querer estudar quando se trabalha o dia
todo (porque acreditem ou não, uma peça de roupa que um (a) adolescente é capaz
de pagar sozinho (a) é uma ajuda e tanto para a mãe, ou pai, ou os dois,
imaginem só um (a) adolescente que ajuda a pagar despesas do mercado, conta de
luz, água, etc.), quando se vive no meio de tiroteios, drogas, pai alcoólatra,
mãe agredida, etc. É difícil querer trabalhar quando o seu suor, pernas
doloridas, sanidade mental perdida, mal pagam as contas, é difícil querer
trabalhar quando se tem “chefes” te dizendo o tempo todo o quanto você é incompetente
quando erra e mal olhar na sua cara quando você faz mais do que deveria pela
empresa. É difícil se importar com o país quando você não vive, sobrevive.
Fácil, fácil é eu vir aqui falar pra vocês que mesmo tendo nascido,crescido,
vivido na pobreza, eu “estudei” e persisti o suficiente pra entrar numa boa
universidade pública, trabalhar poucas horas por dia ainda que recebendo um
salário nada invejado – levantando extremamente cedo até aos sábados, mas em
condições bem melhores do que a minha mãe que continua sendo doméstica – e só
os céus sabem o que essa mulher aguenta -, porque essa foi e ainda é a opção
pra maioria das nordestinas (e nordestinos) que vieram pra São Paulo e não tiveram
acesso nem a porcaria de educação que temos, é fácil pra mim vir aqui falar que
a culpa é de quem não quer nada com nada, porque se eu que tinha tudo pra dar
errado, dei quase ””””certo””””, ué, por que raios não daria também pras outras
pessoas? Fácil, fácil, fácil, é eu vir aqui e simplesmente dizer que o Brasil
não vai pra frente com esse povo todo que só pensa em futebol e dançar funk,
que quer ser, veja bem, sustentado pelo programa bolsa-família, afinal, eles
cedem uma fortuna de auxílio (aliás, minha mãe que trabalhava mais do que a saúde permitia para oferecer o mínimo – não que isso tenha mudado muito hoje,
infelizmente – a mim e a meu irmão, sozinha, precisou desse “sustento”, na
época ela ganhava um salário mínimo e o benefício ,de R$60,00, ajudava de
uma forma que quem nunca precisou dessa porcaria vai demorar entender o motivo do
sucesso dessa esmola, é esmola mesmo, eu sei, e eu já precisei). Desde nova, às
vezes pela minha mãe, parentes e às vezes por professore (a)s, eu escutava muito:
“você precisa estudar, pra ser alguém na vida” “você precisa estudar pra ter um
bom emprego, comprar uma boa casa, um carro” “você precisa estudar pra não ser
como esses por ai” “você é inteligente, dedicada, não pode se deixar
influenciar”, e hoje eu começo a entender o motivo disso, ou melhor, a fonte
desses pensamentos, dessas ideias... As imposições que o lado de cá sofre. Sabe o que é mesmo difícil? É, também, me
decepcionar – e muito – com a passividade de um povo que só se ferra, que só é
enganado, que prefere sorrir e fingir a reagir, mas saber que está muito além da
minha compreensão o poder por traz disso tudo; é difícil não ter uma fórmula
perfeita em mãos que faça com que tudo mude da noite para o dia, perceber e
se assumir raso, preconceituoso, saber que não é questão de ser mais
inteligente ou capaz, mas de circunstâncias, sentimentos, enfrentamentos diferentes. Eu que já me senti a top da balada, a melhor da melhor do mundo,
que odiei (como muito (a)s, porque é isso que aprendemos, a odiar a própria
gente) fazer parte dessa gente que hoje mais do que julgar (porque julgar é
coisa mais fácil de fazer) eu tento entender e, às vezes mais do que em
qualquer outro lugar, aprendo... A vila, quebrada, buraco do qual faço parte,
está longe, longe, longe, de ser exemplo, tem todos esses problemas sociais, políticos
e o caramba a quatro, nela eu sofri coisas que estão gravadas na alma da forma
mais dolorosa possível, nela há pessoas cruéis, mas eu não escolhi ser aquela
que vai dar uma entrevista falando de como eu superei os obstáculos, de como eu fui contra a corrente, do quanto eu sou demais (mas me fingindo humilde) e blá blá blá, eu escolhi ser aquela que a passos de
formiga tentará contribuir positivamente, escolhi não apenas o eu, mas o nós. Eu sei que não tem inocente em lugar
nenhum, sei da nossa responsabilidade, mas eu sei que somos o lado fraco e que não
dá pra tornar algo extremamente complexo simples. Difícil , como disse alguém
ai que eu não lembro, é começar uma revolução consigo mesmo... A parte fácil de
apontar os dedinhos sem a mínima preocupação com o que se está dizendo, porque
a revolta – que é perfeitamente compreensível – é maior e cega, é tirar o seu da
reta.