19 dezembro, 2013

Sobre solidão

O telefone tocou insistentemente, ninguém subiu pra atender, nesses horários as ligações sempre eram pra Ela. De manhã, bem cedo, o celular despertou todas as sonecas, mas Ela sempre levanta só na última.
Pouco mais tarde, a mãe levantou e foi cuidar do filho no andar de baixo, preparar o café da manhã, cuidar da higiene pessoal dele, dar banho, fazer curativos, depois se cuidar. Um pouco antes do almoço vai cuidar de limpar a casa, começa pela louça, passa pelo seu quarto, sobe pro quarto Dela. A cama já estava arrumada, ou não foi mexida? Será que Ela ficou sem dormir de novo? Mas se já está de férias na escola... Teimosa! Depois passa mal de sono no trabalho. Abriu a porta do banheiro pra recolher o lixo. Ela fria no chão frio, a esperança apagada, o vermelho no ralo, o buraco na alma, os olhos sem respirar, a máscara da morte. Gritos. Louca. Ela desistiu. No fim da tarde recolheram o corpo.

27 outubro, 2013

Mundo que cai

O céu tempesteia como meu mundo interno, o barulho da ventania tentando arrancar minhas telhas e o medo que a chuva forte me traz de ficar sem teto. As paredes lacrimejando, os livros e textos ensopados sobre a cama, os furos do telhado despertando meu corpo. Enfrentar, pra quê? Fugir, mas pra onde? Melhor mesmo é esperar, o céu quando esbraveja não tem como controlar e, né, sempre vai estar por todo lugar.

15 julho, 2013

Sobre amor

Sabe quando você diz e a pessoa entende mesmo não vivendo o que você vive, quando ela colhe a sua dor e doa esperança, alegria, ou mesmo o silêncio? Sabe quando você sente que não há nada que você não possa dizer, e que o pior de você pode ser curado com a simples imagem que você recorda no momento em que apenas lê alguém? Sabe quando um telefonema te encanta e parece dizer entrelinhas que você é muito, muito querida(o)? Sabe quando mesmo se desentendendo você entende? Isso e alguns sentires irreproduzíveis em palavras eu sinto que é amor. Amor que não tem complementos, que não é exclusivo de parceira(o), de mãe ou pai, de amiga(o), é puro e simplesmente amor.



24 janeiro, 2013

Tirar da reta


É difícil querer estudar no modelo atual de educação, é difícil querer estudar quando se trabalha o dia todo (porque acreditem ou não, uma peça de roupa que um (a) adolescente é capaz de pagar sozinho (a) é uma ajuda e tanto para a mãe, ou pai, ou os dois, imaginem só um (a) adolescente que ajuda a pagar despesas do mercado, conta de luz, água, etc.), quando se vive no meio de tiroteios, drogas, pai alcoólatra, mãe agredida, etc. É difícil querer trabalhar quando o seu suor, pernas doloridas, sanidade mental perdida, mal pagam as contas, é difícil querer trabalhar quando se tem “chefes” te dizendo o tempo todo o quanto você é incompetente quando erra e mal olhar na sua cara quando você faz mais do que deveria pela empresa. É difícil se importar com o país quando você não vive, sobrevive. Fácil, fácil é eu vir aqui falar pra vocês que mesmo tendo nascido,crescido, vivido na pobreza, eu “estudei” e persisti o suficiente pra entrar numa boa universidade pública, trabalhar poucas horas por dia ainda que recebendo um salário nada invejado – levantando extremamente cedo até aos sábados, mas em condições bem melhores do que a minha mãe que continua sendo doméstica – e só os céus sabem o que essa mulher aguenta -, porque essa foi e ainda é a opção pra maioria das nordestinas (e nordestinos) que vieram pra São Paulo e não tiveram acesso nem a porcaria de educação que temos, é fácil pra mim vir aqui falar que a culpa é de quem não quer nada com nada, porque se eu que tinha tudo pra dar errado, dei quase ””””certo””””, ué, por que raios não daria também pras outras pessoas? Fácil, fácil, fácil, é eu vir aqui e simplesmente dizer que o Brasil não vai pra frente com esse povo todo que só pensa em futebol e dançar funk, que quer ser, veja bem, sustentado pelo programa bolsa-família, afinal, eles cedem uma fortuna de auxílio (aliás, minha mãe que trabalhava mais do que a saúde permitia para oferecer o mínimo – não que isso tenha mudado muito hoje, infelizmente – a mim e a meu irmão, sozinha, precisou desse “sustento”, na época ela ganhava um salário mínimo e o benefício ,de R$60,00, ajudava de uma forma que quem nunca precisou dessa porcaria vai demorar entender o motivo do sucesso dessa esmola, é esmola mesmo, eu sei, e eu já precisei). Desde nova, às vezes pela minha mãe, parentes e às vezes por professore (a)s, eu escutava muito: “você precisa estudar, pra ser alguém na vida” “você precisa estudar pra ter um bom emprego, comprar uma boa casa, um carro” “você precisa estudar pra não ser como esses por ai” “você é inteligente, dedicada, não pode se deixar influenciar”, e hoje eu começo a entender o motivo disso, ou melhor, a fonte desses pensamentos, dessas ideias... As imposições que o lado de cá sofre.  Sabe o que é mesmo difícil? É, também, me decepcionar – e muito – com a passividade de um povo que só se ferra, que só é enganado, que prefere sorrir e fingir a reagir, mas saber que está muito além da minha compreensão o poder por traz disso tudo; é difícil não ter uma fórmula perfeita em mãos que faça com que tudo mude da noite para o dia, perceber e se assumir raso, preconceituoso, saber que não é questão de ser mais inteligente ou capaz, mas de circunstâncias, sentimentos, enfrentamentos diferentes. Eu que já me senti a top da balada, a melhor da melhor do mundo, que odiei (como muito (a)s, porque é isso que aprendemos, a odiar a própria gente) fazer parte dessa gente que hoje mais do que julgar (porque julgar é coisa mais fácil de fazer) eu tento entender e, às vezes mais do que em qualquer outro lugar, aprendo... A vila, quebrada, buraco do qual faço parte, está longe, longe, longe, de ser exemplo, tem todos esses problemas sociais, políticos e o caramba a quatro, nela eu sofri coisas que estão gravadas na alma da forma mais dolorosa possível, nela há pessoas cruéis, mas eu não escolhi ser aquela que vai dar uma entrevista falando de como eu superei os obstáculos, de como eu fui contra a corrente, do quanto eu sou demais (mas me fingindo humilde) e blá blá blá, eu escolhi ser aquela que a passos de formiga tentará contribuir positivamente, escolhi não apenas o eu, mas  o nós. Eu sei que não tem inocente em lugar nenhum, sei da nossa responsabilidade, mas eu sei que somos o lado fraco e que não dá pra tornar algo extremamente complexo simples. Difícil , como disse alguém ai que eu não lembro, é começar uma revolução consigo mesmo... A parte fácil de apontar os dedinhos sem a mínima preocupação com o que se está dizendo, porque a revolta – que é perfeitamente compreensível – é maior e cega, é tirar o seu da reta.